Um problema antigo...

Há mais de dois mil anos, o médico grego Hipócrates já observava que o movimento do mar podia “desordenar o corpo”. Inclusive, a palavra "náusea" vem do grego naus, que significa "navio".

O que é a cinetose?

A cinetose é o enjoo do movimento. É uma reação do corpo ao movimento real — como em viagens de carro, navio, avião ou metrô — ou até ao movimento simulado, como ao jogar videogames, usar realidade virtual ou assistir a filmes com imagens dinâmicas. Nessas situações, o cérebro recebe informações conflitantes dos sistemas sensoriais, especialmente entre o que você vê e o que seu corpo sente. 

Por exemplo:

  • No carro: seu corpo sente que está parado, mas seus olhos veem o mundo se movendo.
  • No barco: seus olhos percebem que está parado dentro da cabine, mas o corpo sente o balanço das ondas.

Esse conflito sensorial pode provocar os seguintes sintomas:

  • Náuseas e vômitos
  • Tontura e vertigem
  • Sonolência, bocejos e cansaço
  • Cefaleia
  • Suor frio, palidez ou sensação de calor
  • Sensibilidade a cheiros fortes
  • Dificuldade de concentração

A cinetose é uma resposta fisiológica normal, e de forma isolada não é sinal de doença.

Em alguns casos, os sintomas permanecem mesmo após o fim da viagem, em um fenômeno conhecido como mal de desembarque (mal de debarquement).

Sabemos que a cinetose ativa áreas do sistema nervoso autônomo (núcleo do trato solitário, formação reticular, nucleo parabraquial, nervo vago), responsável pelas reações como sudorese e palidez. Também ativa áreas do sistema límbico, que está por trás das emoções (giro do cíngulo, amigdala), o que explicaria a ansiedade que acompanha esses sintomas. Por conta disso, é comum que pacientes com cinetose tenham mudanças em seu comportamento, como evitação e medo de se expor novamente ao estímulo que causou enjoo.

Quem tem mais chance de ter?

Alguns fatores aumentam o risco de desenvolver cinetose:

  • Genética: Há uma predisposição herdável
  • Sexo: É mais comum em mulheres (as causas ainda são estudadas)
  • Idade: Crianças entre 6 e 9 anos e adultos jovens (18 a 29) são mais suscetíveis. Parece ter uma melhora dos sintomas com o envelhecimento.
  • Histórico médico: especialmente pessoas que convivem com enxaqueca

Carro, avião ou barco - qual o pior?

O meio de transporte mais associado com a cinetose é, com pouca surpresa, o barco — cerca de 60% das pessoas têm sintomas a bordo. No carro, passageiros são mais afetados do que motoristas. Isso porque quem dirige consegue antecipar os movimentos, o que ajuda o cérebro a se adaptar melhor. Por curiosidade, com o advento dos carros auto-dirigidos, em que todos os ocupantes do veículo se tornam passageiros, a indústria automobilística vem dedicando tempo e pesquisa a entender e contornar a cinetose. 

Outros fatores que pioram os sintomas no carro incluem:

  • Sentar no banco de trás
  • Ler ou usar o celular durante a viagem
  • Aceleração e desaleceração (estrada com curvas e trânsito "anda e para")
  • Ar quente ou cheiros fortes
  • Ficar olhando apenas para o interior do carro (ainda que uma parte considerável das pessoas mantenha o enjoo mesmo mantendo o olhar para fora)

Como tratar ou prevenir?

O tratamento inclui medidas medicamentosas e não-medicamentosas. 

O médico pode orientar o uso de medicamentos comumente usados para enjoo, tais como dimenidrinato (ex: Dramin) e escopolamina (Ex: Buscopan). No entanto, medicamentos que melhoram outros tipos de enjoo, como os anti-dopaminérgicos (Ex: Plasil) e os anti-serotoninérgicos (Ex: Vonau) não parecem ter efeito para a cinetose. Além disso, é importante sua ingesta antes da exposição ao movimento (de 30 minutos a 2 horas), pois a cinetose reduz a absorção de medicamentos no estômago. Por fim, é comum que tais medicamentos provoquem sonolência,  atrapalhando a realização das atividades. Por esses motivos, a orientação médica antes do uso dessas medicações é aconselhado.  

Quanto a medidas que não envolvem o uso de medicamentos, temos:

  • Habituação: exposição repetida ao estímulo pode ajudar o corpo a se adaptar (apesar de ser desconfortável no início).
  • Ambiente: música suave, ar fresco e controle de odores 
  • Foco visual externo: olhar para o horizonte; há alguns óculos adaptados que ajudam. Evitar atividades visuais intensas durante a viagem, como ler e usar o celular.
  • Respiração controlada e profunda 
  • Manter os pés afastados quando de pé no navio ajuda na sensação de estabilidade e equilíbrio
  • Acupuntura mostrou benéfico em alguns relatos de caso
  • Evitar cigarro antes da viagem

Não há ainda recomendações específicas sobre dieta que melhorem a cinetose. Por mais que algumas pessoas recomendem gengibre ou aumento de ingestão de proteínas antes da viagem, as evidências sobre seu benefício são conflitantes.

Em resumo...

A cinetose é comum, desconfortável, mas controlável. Com as estratégias certas, é possível minimizar — ou até evitar — o enjoo em viagens.

Referências

SCHMIDT, E. A. et al. An international survey on the incidence and modulating factors of carsickness. v. 71, p. 76–87, 1 maio 2020

GOLDING, J. F. Motion Sickness. Handbook of Clinical Neurology, v. 137, p. 371–390, 2016

KESHAVARZ, B.; GOLDING, J. F. Motion sickness. Current Opinion in Neurology, v. Publish Ahead of Print, 26 nov. 2021.